quarta-feira, 26 de maio de 2010

A Casa

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A casa foi montada cuidadosamente pelos dois. Nas paredes as fotos dos momentos felizes que tinham passado. No telhado, o futuro planejado tão meticulosamente. Na base, o amor construído com sangue, lágrimas e segredos que ambos esqueceram de contar por causa da correria em montar as paredes e o teto. Afinal, eles queriam a casa pronta.

Depois de certo tempo que é melhor ignorar, algo tornou-se ruim na base da casa. Os segredos começaram a fazer com que os momentos felizes na parede mofassem, e sempre fazia-se necessário uma nova mão de massa corrida, uma nova mão de tinta, e mais fotos felizes para ilustrar as paredes. Cada segredo contido na base aparecia em um canto da casa. Onde existia confiança, a sombra da dúvida apagou o rosto de ambos. Os sorrisos felizes em todas as confraternizações foram enegrecendo-se com a umidade do rancor passado. A casa, outrora tão colorida, caminhava para tornar-se um cinza grande e sem graça.

Eles ainda tentaram lutar, claro que tentaram. Por vezes os dois deitavam-se na cama conversando sobre o passado e porque a casa estava tão fria. Juravam amor um ao outro e iam dormir. Dentro de pouco tempo, as discussões passaram a não ter mais resultado, e a reconciliação tornara-se mais fria do que as próprias brigas. Ele queria reformar a casa desde o início. Ela pensava que mesmo assim os segredos continuariam a aparecer. Ele não pensava assim. Sabia que seu amor presente ia conseguir esconder os problemas da base. O que seria de um romance sem amor, que mantinha todas as peças juntas?

Mas o amor não segurou a nova reconstrução da casa. Pouco a pouco ele via os segredos, a dúvida, a tristeza, o passado, o rancor, o ódio, a amargura e a agonia em pontos estratégicos da sala de estar. A televisão perdera sua cor, e em todas os rostos apaixonados, ele via sua história. Pensava que sua vida seria como um filme, em que seria somente fechar a porta, e nada os alcançaria. Os créditos subiriam no final, quando o mocinho agarra a donzela em seus braços e a beija ternamente. Mas ele estava vivendo após os créditos, ele sabia. Talvez, na hora em que ele tinha que beijar a donzela, ele esqueceu a sua fala, e deixou-a lá, esperando o beijo. Ele também estava esperando o beijo. E todos os outros também.

Ela decidiu viver sua vida sem cores. As saídas solitárias tornaram-se rotina. Ela queria saber o que estava acontecendo àquele romance tão perfeito. Pensava no começo, quando a casa estava em sua construção, quando as paredes estavam sendo levantadas e o telhado já estava encomendado. Pensou que somente ele teria falhas na sua base, mas lembrou-se de seus segredos que também enterrara ali. Todos têm seus segredos, dizia ela na tentativa de se conformar. Mas as coisas não eram tão fáceis. Talvez eles tivessem segredos demais, talvez os segredos de ambos tivessem se encontrado na base e agora, juntos, eles estavam gritando por justiça.

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Ele agarrava-se à sua esperança de consertar tudo. Pensava que a culpa da casa estar ruindo era dele e somente dele, mas a sua consciencia dizia que havia mais culpados nessa história. Sua consciencia começou a cobrar respostas para tudo o que tinha acontecido no passado. Ele juntava as peças da sua vida na cabeça, fazia um retrospecto mental e sabia, sabia que, em algum momento, ele acharia alguma falha, uma peça faltando, que pertenceria a ela. Essa peça seria dela. A peça poderia até mesmo SER ela.

Ela já desconfiava dele em tudo. Estava convicta de que ele iria embora. Sabia que ele estava com outra casa em construção em algum ponto e não ficaria para reconstruir a sua casa com ela. Pensando assim, abriu ela seu coração de novo, mesmo que veladamente, e deixou outras emoções entrarem. Viu o mundo lá fora que reluzia com todas as cores que não havia mais em sua casa e sentiu falta de tudo. Sentiu falta de sua ousadia, de sua independência. Mas sabia que amava seu marido. Ficou então na janela olhando o gramado de outrem.

Ele lutava para ir contra a idéia de sua consciencia, que ele já apelidara de demônio pessoal. Não queria nem sequer saber que a culpa era dela. A culpa era sim, totalmente dele. Mas ele iria consertar tudo, pensava. As coisas voltarão a ser como antes. Ele trabalhara sozinho em tentar reconstruir sua casa, sem saber que sua esposa estava na janela, olhando o gramado de outrem.

Enfim, eles pensaram em desistir. Tudo o que tinham, as fotos felizes, o telhado futuro, nada disso servia mais para eles. Tão apodrecido que estava além de qualquer reforma. O mofo já saíra das paredes e atingira a cama onde dormiam, a mesa onde comiam as refeições, atingira a porta do coração de ambos, enferrujando a fechadura que selava o amor dos dois. As chaves não serviam mais. Eles não notaram.

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Ela partiu primeiro. Ele ainda ficou. O corpo dela partiu depois. Ele não entendeu. Até ver que ele mesmo já tinha partido daquele lugar. A mobília nem sequer importava para ele. Já estava longe, seguindo com o rosto tampado em meio a uma tempestade de areia, procurando outros lugares para se abrigar, enquanto não tinha forças para construir outra casa. Ela saíra em um cruzeiro antes de entrar na casa de outra pessoa. E a casa deles, tornou-se um monte de entulho. As fotos foram cuidadosamente queimadas para que ninguém soubesse quem estivera naquele lugar. O telhado foi removido com um golpe de vento chamado destino. Ambos estão lutando por aí. As vezes em cruzeiros ou em casas mofadas... A fechadura foi trocada algumas vezes. Mas uma coisa ficou, daquele tempo todo que viram seus sonhos envelhecendo: a certeza de que o que pode estragar qualquer contrução são os segredos escondidos na base. Pois todos os segredos existem para vir à tona.

Saiba guardar seus segredos em outro lugar.opening_box_secrets

1 comentários:

Mumu disse...

Esse ficou foda cara!
Parabéns velho, show!

Bem vindo a todos

Bem vindo a todos. Pegue uma cerveja, ou você prefere vodka? Tem rum também, conhaque...
Sabe de uma coisa, pegue você mesmo, fique à vontade. Curta o show, ele é único. Certifique-se de que tenha desligado o celular, porque isso aqui não tem hora e nem dia para acabar.
ENJOY...

Influências

  • Aerosmith
  • Blackmore's Night
  • Devil Driver
  • Impellitteri
  • Led Zeppelin
  • Lost Weekend
  • Motorhead
  • Pain
  • Rainbow
  • Yngwie Malmsteen