As pessoas que eu vejo na rua, mesmo parecendo concretas, palpáveis, são abstratas para mim. Pois não as conheço, ou não as conheço mais, ou não quero conhecê-las. Então, partindo deste ponto, minha misantropia torna-se concreta em meu ponto-de-vista.
Todos falam "eu realizei isso, eu concretizei meu sonho". Mas não é verdade. Ele concretizou a necessidade de ter algo, e o resultado final torna-se abstrato justamente por causa da frustração ao se olhar para trás e ver que você empregou tanto tempo e esforço para algo que, agora, acabou. A jornada torna-se mais interessante, porque quando alguém elogiar o seu sonho, seja ele sua casa, seu emprego, seu diploma, sua roupa, você sentirá então a necessidade de contar para ela todo o trajeto percorrido até aquela conquista, e então, por um milésimo de segundo, todo o passado se tornará concreto e translúcido, pois é através dele que você está vendo o seu próprio resultado.
Ora, se eu respiro o ar abstrato, e me sinto concretamente vivo, não seria então o ar a concretização da abstração da vida? Se eu sinto amor, mas não consigo dar este amor a alguém, não tenho eu uma concretização de um sentimento, e uma abstração subjetiva? A carta que não encontra seu destinatário não é uma prova de que a pessoa que receberia aquela mensagem encontra-se, agora, num mundo abstrato?
E então, minha loucura, minha insanidade, minha paranóia, megalomania narcisista é a massa que mantém minhas células unidas. Ela se concretiza em um corpo que se movimenta pra lá e pra cá sem rumo, sem alegria, sem uma realização pessoal, sem ninguém. Meus sentimentos lutam para manter meu corpo unido, quando toda a parte concreta de mim luta para se abstrair de um mundo que eu cansei de tentar entender. As memórias tornam-se concretas para mostrar que, mesmo aqui, na existência, há algo, alguém, alguma coisa que berra para todas as outras coisas que é necessário manter-se concretamente unido, que é necessário ser uma matéria, ser um corpo, ser um "ser", para uma realização futura que eu tenho absoluta convicção de que não virá nunca.
Porque, como falei acima, meus caminhos são concretos, mas eu sumo, desapareço, a cada dia que ando por essa terra. Meus braços abraçam a abstração do vazio. Meus olhos concretizam lágrimas que correm abstratamente pelo meu rosto.
Eu sou a areia da ampulheta que caiu primeiro, e foi sendo sufocada por tantos outros grãos. Os que estão lá em cima ainda esperam confiantes que alguém vai aparecer e virar a ampulheta, mas ao mesmo tempo, temem ficar no mesmo lugar aonde eu estou. Já comigo, é o contrário. Se eu fosse o primeiro grão da ampulheta, faria questão de me esconder o mais fundo possível.
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